Thursday, February 19, 2009

Sexta--Feira 13 - A mudança

Sexta-feira 13


Não poderia ter data melhor para minha mudança de Juazeiro. Data marcada pelas histórias de terror, pensei que só fizesse referência aos últimos acontecimentos da minha vida, mas assim que entrei no carro de mudança, essa data quase tornou-se significativa para as pessoas que ficariam vivas caso viesse a morte na minha direção.

Então, vamos contar a história do início. Passei a semana numa tensão muito grande na tentativa de conseguir um carro de mudança que ficasse com o preço razoável. Depois de muito procurar, tomei a decisão de um amigo vir me buscar, pois tinha um carro utilitário que caberia tudo, quem viria dirigindo seria meu irmão, que achou por bem, não aceitar a proposta, pois o carro não tinha seguro. Achei aquilo uma desculpa, e decidir pegar um ônibus a Salvador e vir dirigindo o carro sozinho para pegar minha mudança, logo depois que avisei aos meus familiares sobre isso, recebo um delicado telefonema de minha irmã dizendo que seria melhor alugar um carro, e vir com o tal do seguro, que todos estavam tão preocupados. Voltei atrás, liguei para o meu amigo, desmarquei a viagem, e pedi para o meu irmão, conseguir o tal do carro alugado, inicialmente seria um carro maior para garantir que toda mudança viesse com segurança.

Sem surpresas, por mais que meu irmão procurasse, não achou o tal do carro, em toda Salvador, ainda insistir que fosse um carro pequeno, e ele insistiu em fazer inúmeras perguntas para ver se o carro dava ou não dava a mudança, por mais que informasse que isso já tinha avaliado. Na minha impaciência fraternal, e por perceber que ele pouco estava se importando com a segurança, mas com o incômodo dele viajar para Juazeiro, desistir desta estratégia e eu próprio resolvi solucionar um carro para mudança.

A primeira opção pagar quase R$1.000,00 para fazer a mudança, a segunda era arriscar num caminhão que fizesse descarga em Juazeiro e eu pagaria em torno de r$350,00 para minha mudança retornar num caminhão para Salvador. E assim foi, às 16:00 horas meu telefone toca, era o intermediário deste caminhão informando que viajaria às 18:00 para Salvador, perguntei se era carro baú, ele disse que sim, fiquei bem empolgado e topei a idéia.

O motorista para o carro baú na minha porta, e assim que coloquei a primeira caixa, vir que a temperatura era bem agradável dentro do baú, considerando o calor insuportável do sertão. Bem, até então só a minha mudança iria chegar um pouco mais resfriada em Salvador, era um caminhão freezer com produtos perecíveis. O motorista não sinalizou nenhum tipo de problema, outro detalhe que me chamou atenção, é que tinha uma pequena carga de alimentos refrigerados junto a minha mudança, ao perguntar se teria algum problema junto à polícia rodoviária, ele falou que não.

Perguntei a Jefferson, um colega que conseguiu o intermediário até chegar no motorista, se eles se conheciam, e Jefferson muito tranquilamente falou, “sem problemas o rapaz é de empresa, eles já se conhecem, olha lá sua farda”. Achei o motorista um pouco “esperto”, cheio de malandragem, comentei com Jefferson pela segunda vez, e ele disse que nada, “você que é um baixinho invocado”. Tudo bem, entrei no carro com uma latinha de cerveja, e o primeiro sinal foi dado, o motorista gritou “ah, você gosta de uma cerveja, vamos parar ali”, eu respondi “não, só estou bebendo está latinha para relaxar, você quer?”. Para o meu agrado, ele rejeitou, e paramos num posto logo à frente, pois ele iria abastecer o caminhão, me chamou para um bar, que saiu três mulheres, duas com uma cara de mulheres arrasadas, e uma terceira toda arrumada, mas mesmo assim, lhe faltava algo de belo, na verdade lhe faltava tudo. Enquanto o caminhão e o motorista se organizavam, fiquei bebendo uma cerveja com as três damas, e percebi que uma delas iria conosco, perguntei e recebi a confirmação.

Inúmeras vezes, passou pela minha cabeça, qual o motivo daquele encontro, por que deveria escutar as histórias de sofrimento daquelas mulheres? E elas preferiram dizer os discursos que lhe davam certo ar moral, como boas herdeiras da cultura cristã, a estratégia era de se penalizarem, mostrarem inúmeras dificuldades e negarem a vida de prostituição, no final do discurso havia implícito uma solicitação financeira de apoio, que se resumiu a pagar uma cerveja a mais por minha conta.

A senhorita que viajou conosco aos poucos cedia este discurso para um mais próximo das suas atuais imagens enquanto pessoa: já foi envolvida em inúmeras brigas, presa por um ano e oito meses por tentativa de homicídio, o que deve ter sido um homicídio. Já vendeu craque em São Paulo, cidade que se envolveu com um traficante morto pelos comparsas. E sem perspectiva iria visitar um namorado na penitenciária de Serrinha que conheceu na sua última estadia na cadeia, num interior próximo a Juazeiro, numa briga de carnaval. Pelo que eu entendi, ele era uma espécie de “xerife” da cadeia, tinha um respeito pelos outros marginais, e ela se encantou e se sensibilizou pela ajuda que ele ofereceu nos dias de prisão. Extremamente sensível a qualquer tipo de apoio, ela se apaixonou por ele, que tinha sido transferido por ter comandado uma rebelião na cadeia. Para finalizar esta introdução, ela estava viajando para Serrinha com uma acusação de roubo da última casa que trabalhou. E o namorado dela, desistam, dificilmente ele saíra da cadeia nos próximos 15 anos.

E assim seguimos viagem, até este momento, mais uma pessoa numa boleia pequena, tudo bem...o saldo positivo era que o motorista não bebia. Conseguimos partir após 40 minutos, e o caminhoneiro já era meu “amigo”, e iria me levar para um posto com uma “ótima rabada", que eu tinha que experimentar, no primeiro posto, logo após a saída da cidade, mas ainda em Juazeiro, ele parou, pediu mais uma cerveja. Neste ponto já desconfiado tinha parado de beber, vi que ele rapidamente tinha colocado coca-cola no copo dele, mas até então não sabia que ele misturava com conhaque, pois sempre dizia “deixa eu beber uma coca com café para ficar acordado”. Neste posto, achei por bem, ligar para alguns amigos, que não atenderam o telefonema, então liguei para Clô, e expliquei a situação a ela, e pedi para anotar a placa do carro por segurança, pois estava com maus indícios nesta viagem. Por sinal a rabada era horrível, eu mastiguei e não engolir.

Já era quase 20:00 e não tinha saído de Juazeiro ainda, liguei para meu irmão, e falei para ele que iria viajar à noite, e iria chegar de madrugada, e ele perguntou “e daí?”, e logo ele que estava tão preocupado com segurança, para fingir que estava tudo bem falei, “não, é só para me ajudar a descarregar o caminhão”.

Depois que saímos de Juazeiro conversamos sobre tudo, desde situações de crime até a vida de caminhoneiro, a minha vida, o sucesso profissional do caminhoneiro, a esperança da senhorita em encontrar um homem que a amasse de verdade. Com tudo isso, ainda tinha as investidas do caminhoneiro em levar a senhorita para casa dele em Salvador, ao invés de deixá-la em Feira de Santana e seguir rumo para Serrinha, a qual ela tinha ficado três dias sem namorar com ninguém para se dedicar ao seu amor na prisão, e o infeliz do caminhoneiro queria num sentimento de “comer” uma virgem, quebrar esta intenção sincera e sentimental da garota.

E assim foi, paramos em quatro ou cinco bregas ou bares, em todos o motorista bebia coca-cola com conhaque, e quando percebeu que eu estava me aborrecendo, falou para não me preocupar que ele conhecia o limite dele. A última parada, foi num bar que era ponto de tráfico, assim que descemos não tinha ninguém no bar, depois que paramos e pedimos um coca-cola apareceram mais de oito homens dentro e fora do bar, e o motorista foi intimado se estava acontecendo algum problema, assim que percebi o “barril de pólvora” que nos encontrávamos puxei o motorista, entramos no carro e seguimos viagem. E ele disse que sabia que ali era ponto de venda de drogas, mas estava tudo sobre controle, isso era logo depois de Capim Grosso, e a fala do motorista já estava embolada.

Eu não conseguia pregar o olho, porque a sensação de dormir era terrível, pensava que iria acontecer um acidente e eu iria morrer dormindo. Com tudo isso, o motorista ainda fumava no carro, e toda vez que precisava acender soltava as duas mãos do volante e o carro sai da pista ou pegava a outra pista, mas como vocês sabem não deveria me preocupar “pois estava tudo sob controle”, obviamente de Deus ou do Diabo.

Paramos para socorrer um outro caminhão quebrado, e nisso o motorista foi muito bacana, pois ele era também com "muito orgulho mecânico de carro a diesel".

E assim foi a viagem inteira, e quando não agüentava mais ficar acordado, tirei alguns cochilos que acordava completamente assustado quando caia na escuridão do sono e na perda dos sentidos com a realidade, uma experiência terrível. E tendo que ouvir e aceitar pelo menos enquanto estava no carro, que iria visitar o motorista para fazermos uma festa no fundo de quintal.

Era 4:00 da manhã quando chegamos em segurança, a garota foi arrastada para Salvador, e certamente iria dormir com o motorista. Eu só conseguia falar uma coisa para todo mundo, "parei em todos os bregas de Juazeiro a Salvador", repetia isso, sem pensar. Descarreguei o carro, e fui dormir às 05h da manhã com quase 24 horas acordado.
Conclusão: As sextas-feiras 13 existem.

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